O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2018) é "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet". A prova teve quatro textos motivadores, sendo que três deles são trechos de reportagens e um trouxe um gráfico com dados.
O primeiro dia, nas provas objetivas, teve também as confissões de Santo Agostinho, a obra do filósofo Tzvetan Todorov, uma Carta de Henfil para Geisel, 'O tempo e o vento' e Primeira República. O acolhimento de refugiados na Europa, a citação a uma resenha do romance "A menina que roubava livros" envolvendo o nazismo, o ônibus em que a ativista americana Rosa Parks fez história, a crise hídrica em São Paulo e o protesto feminista das candidatas do Miss Peru 2018 também apareceram nas questões.
No fim da tarde, candidatos que fizeram a prova começaram a usar a hashtag #AprendinoEnem Duas das três reportagens citam diretamente os algoritmos e foram publicados em 2016. Um deles, "O gosto na era do algoritmo", foi publicado em 2016 pelo jornal "El País" e escrito pelo jornalista Daniel Verdú. O outro, chamado "A silenciosa ditadura do algoritmo", é de autoria do jornalista brasileiro Pepe Escobar.
A terceira reportagem, também de 2016, foi publicada pela BBC Future. De autoria de Tom Chatfield, o texto chama "Como a internet influencia secretamente nossas escolhas".
O gráfico que aparece na prova de redação é um organograma de dados produzido pelo IBGE com o perfil dos usuários de internet no Brasil em 2016, com detalhes sobre o uso da internet entre homens e mulheres.
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) no início da tarde deste domingo (5).
Os candidatos têm 5h30 para fazer o primeiro dia de provas do Enem 2018. Além da redação, são 45 questões de linguagens e outras 45 de ciências humanas.
Para professores, tema é atual e não surpreende
Para comentar o tema da redação, o G1 consultou diversos professores de redação e uum especialista em tecnologia:
Ana Paula Severiano, professora do Colégio Stockler
Altieres Rohr, colunista de tecnologia do G1
Anibal Telles, professor de redação do Curso Anglo
Carol Achutti, professora de redação do Descomplica
Juliana Oliveira, do COC Atibaia
Maria Catarina Rabelo Bozio, coordenadora de redação do Colégio Poliedro
Tatiana Camara Nunes, do Colégio Mopi
Thiago Braga, professor e autor de redação do Sistema de Ensino pH
Viviani Xanthakos, professora do laboratório de redação do Objetivo
Professor ouvidos pelo G1 consideram o tema atual e mais específico que em anos anteriores, assim como aconteceu no Enem 2017. "Nos anos anteriores foram mais gerais, no ano passado foi bem mais pontual, específico. Nesse ano não chegou à especificidade do ano passado", explicou Viviani Xanthakos, professora do laboratório de redação do Objetivo, de São Paulo.no Twitter para brincar sobre os temas que apareceram.
Thiago Braga, professor e autor de redação do Sistema de Ensino pH, no Rio de Janeiro, afirmou que o tema não é um dos mais simples para os estudantes. "A princípio não me parece um tema fácil porque possibilita uma série de leituras, pode levar o aluno para uma direção diferente do que a banca quer", afirmou ele.
"É voltado para o comportamento, não parece ligado a política, mas sim mais ligado a costumes. Depende de qual direção vai dar, dos textos dados de apoio", diz Thiago Braga
Já para Juliana Oliveira, professora do COC Atibaia, o tema da redação era esperado, pois está presente no cotidiano de todos. "Como se trata de um tema amplo, caberá ao aluno delimitar o tema a partir dos textos bases propostos pelo Enem, e a partir dos textos, desenvolver a proposta de intervenção."
Chave está nos algoritmos
Para o colunista de tecnologia do G1, o tema é importante para o público jovem que está indo para as universidades.
“Se eles não têm noção de como a ferramenta que eles usam determina o que eles vão ver, podem estudar e ver as coisas de uma forma tendenciosa", afirma.
Para Rohr, um dos pontos mais importantes a serem explorados é que não se sabe, exatamente, como os algoritmos de sites como Facebook, Twitter e Instagram funcionam. Eles também contribuem para que as pessoas se mantenham em bolhas de posições políticas, embora o Facebook venha tentando combater essa tendência, segundo Rohr.
Que temas podem ser abordados?
Segundo Braga, vários assuntos podem ser abordados. "Os alunos podem falar sobre privacidade, sobre como hoje ela não existe mais", disse ele. "Se você está na internet os seus dados são utilizados para que você seja conhecido e seja conduzido a determinado tipo de comportamento. isso pode ser problematico porque as pessoas acabam perdendo [a privacidade]."
A professora do COC Atibaia, Juliana Oliveira, disse que o tema era esperado porque está presente no cotidiano de todas as pessoas. "Como se trata de um tema amplo, caberá ao aluno delimitá-lo partir dos textos bases propostos pelo Enem, e a partir dos textos, desenvolver a proposta de intervenção", disse.
O Inep ainda não divulgou quais foram os textos de apoio.
"É um tema discutido em sala porque já tivemos várias aulas sobre 'big data'", diz Anibal Telles, do curso Anglo. "Mas, sem os textos de apoio fica difícil sermos detalhistas."
Já a professora Maria Catarina diz que, "para que o aluno garanta uma nota elevada, é importante que ele trabalhe as quatro palavras centrais da frase tema: manipulação, comportamento, usuário e internet".
O tema tem a ver com 'notícias falsas'?
Para Braga, do pH, o tema não tem relação direta com as notícias falsas, mas sim com a manipulação de dados dos usuários. "Acredito que não esteja ligado diretamente à política, mas a como o comportamento do usuário da internet pode ser manipulado por meio de acesso aos dados dele", disse ao G1.
Ele diz que o aluno deve ficar atento para não fugir da proposta da redação.
"A princípio não me parece um tema fácil porque possibilita uma série de leituras que pode levar o aluno a uma direção diferente do que a banca quer. Por isso é importante saber quais os textos de apoio que foram apresentados, para termos uma direção do que foi pedido", afirmou Braga.
Para a professora Ana Paula Severiano, do Colégio Stockler, ao contrário do tema de 2017, o deste ano não surpreende. "O contexto mundial e, em especial, o brasileiro anunciava uma reflexão a respeito da informação que circula na internet e dos impactos que a manipulação desses dados têm na sociedade."
Segundo ela, tema semelhante já apareceu em outros vestibulares deste ano, como o da Santa Casa de Medicina de São Paulo, e também da Unesp e da Unicamp, em processos anteriores.
Para a professora Viviani Xanthakos, do laboratório de redação do Objetivo, o tema não surpreendeu, já que uma das principais apostas para o tema da redação do Enem 2018 eram as notícias falsas. Porém, a abordagem escolhida pelo Inep foi mais específica, falando diretamente sobre uma das questões envolvendo as notícias falsas, que é o armazenamento de dados dos internautas pelas empresas.
Segundo Carol Achutti, professora de redação do Descomplica, "o aluno precisa ficar atento a alguns pontos: não se restringir a falar apenas de 'fake news', não se limitar a fatos que ocorreram no Brasil e não se posicionar de maneira radical". Ela afirma que "esse é um assunto que te leva a tratar o marketing dirigido e sobre como disponibilizamos informações nas redes sociais. O aluno pode levantar discussões sobre o Marco Civil da internet que prevê um ambiente de privacidade, neutro e de liberdade de expressão".
Como tirar uma nota alta?
Foco nas palavras-chave: De acordo com Viviani, uma questão central de um tema como esse, que é comprido e aparentemente complexo, é que o candidato se concentre nas palavras-chave. “O aluno em geral foca no centro, que é ‘dados na internet’, mas a palavra ‘manipulação’ obrigatoriamente deveria aparecer no texto dele”, ressaltou ela.
Atenção aos textos motivadores: Em um tema como esse, um dos truques que podem ajudar os estudantes é prestar atenção nos textos motivadores, que dão pistas do que a banca espera, além de argumentos que podem ajudar no encaminhamento da redação. "A princípio não me parece um tema fácil porque possibilita uma série de leituras que pode levar o aluno a uma direção diferente do que a banca quer. Por isso é importante saber quais os textos de apoio que foram apresentados, para termos uma direção do que foi pedido”, explicou Thiago Braga, do Sistema de Ensino pH.
Compreensão dos direitos humanos: Embora ferir os direitos humanos não renda mais nota zero, isso pode tirar pontos na competência 5. Por isso, Viviani lembra que é preciso saber do que falar. No caso do Enem 2018, o fim do anonimato na internet pode ser defendido sem ferir a Constituição Federal. “Os direitos humanos no Enem sempre forem corrigidos de maneira muito ligada à Constituição. Então, não pode defender linchamento, perda de direitos civis etc. Mas o anonimato na internet não é um direito, então o candidato pode defender sim”, disse ela.
Como fica a proposta de intervenção?
Maria Catarina lembra que, no caso das propostas de intervenção que renderiam a nota zero na competência 5, "qualquer defesa ao fim da liberdade de expressão, censura ou violação dos direitos básicos do cidadão como soluções para o problema".
A professora Viviani, do Objetivo, lembra que, como o tema aborda o comportamento, uma proposta de intervenção eficaz deve sugerir ações concretas para a mudança da cultura na sociedade atual.
"Embora temos internet há alguns anos, as redes sociais e os algoritmos deslancharam há pouco tempo. E a inclusão digital se espalhou, mas a gente ainda não tem uma cultura de como usar a internet", diz Viviani.
De acordo com a professora Tatiana Camara Nunes, do Colégio Mopi, do Rio de Janeiro, o candidato deve sempre lembra que, nas propostas, "não podem faltar o agente, a ação, meio e finalidade, e de preferência, sem ser clichê".
Dicas de proposta de intervenção:
Elaboração de leis para controlar o acesso das empresas aos dados pessoais dos usuários e das mais poder ao usuário para decidir que informações pessoais compartilhar
Elaboração de leis para aumentar a transparência das bases de dados das empresas
Projetos ou ações concretas para aumentar a educação das pessoas a questões como a privacidade e o uso das redes sociais
Tendências apontadas
Anibal Telles, do Curso Anglo, comenta que o Enem vinha em uma sequência de temas sociais e de minorias nas redações – em 2015 foram as mulheres, em 2016 foram os negros, em 2017 foram os suros (veja lista abaixo) – mas neste ano quebrou este sistema. "Pode ser que, por causa da polarização política, o MEC tenha decidido não entrar em questões de representatividade."
Maria Catarina, do Poliedro, acrescenta que o recorte temático surpreendeu "por abandonar elementos já tradicionais na formulação da frase tema das propostas de anos anteriores, como o recorte nacional, com os termos 'no Brasil' ou 'sociedade brasileira', e as palavras de comando 'caminhos' ou 'desafios'.
Outra novidade apontada por Viviane, do Objetivo, é o fato de o tema da redação ser dos mais atuais, sempre em grande evidência no debate público e no noticiário.
“A gente percebe que a prova buscou mais do que em anos anteriores um assunto bem atual, talvez seja uma tendência inaugurando na prova”, explicou ela. “Às vezes o Enem deixa um assunto na geladeira.” Ela lembra que o tema da violência contra as mulheres, por exemplo, apareceu quase dez anos depois da entrada em vigor da Lei Maria da Penha. “É um assunto importante, mas não tão atual quanto este.”
G1
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